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Um novo 'Sonho Americano'

Artigo publicado originalmente na página 2 do jornal O Estado de S. Paulo de 23 de setembro de 2019, por Carlos Vaz, co-fundador e CEO da CONTI Real Estate Investments, empresa com sede em Dallas (Texas, EUA) e cliente da MediaLink


por CARLOS VAZ*


O chamado Sonho Americano, que há décadas atrai imigrantes de todas as partes do mundo e define o modo de vida da classe media americana, passa por mudanças significativas. Instituido em 1931 pelo historiador James Truslow Adams, abriga ideais como o direito a vida, liberdade, propriedade e a busca da felicidade, que remetem a valores enraizados desde 1776, na Declaração da Independência dos Estados Unidos.


A grande alteração que se observa agora diz respeito ao item propriedade, que no contexto do Sonho Americano se refere à conquista da casa própria. Estudo recente da Universidade de Harvard mostra que 35% dos americanos hoje vive em imóveis alugados, não por opção mas por necessidade. É crescente o número de americanos que não tem acesso a este símbolo do Sonho Americano e principal aquisição que a maioria das pessoas realiza ao longo da vida.


Entre os dados mais reveladores, mostrando que o número de americanos vivendo em imóveis alugados deve continuar aumentando, está o grau de endividamento das diferentes camadas da população. Entre os chamados ‘Millenials’ ou integrantes da ‘Geração Y’, nascidos entre 1980 e 2000, o grande obstáculo é a enorme dívida com financiamentos para concluir os estudos, que hoje ultrapassa US$ 1,5 trilhão e é considerada uma das principais ‘bolhas’ capazes de provocar graves desequilíbrios na economia dos EUA. Entre os chamados ‘Baby Boomers’, nascidos entre 1946 e 1964, 45% não tem economias nem perspectiva para garantir necessidades básicas da aposentadoria.


O alto endividamento dos Millennials torna a compra de um imóvel algo cada vez mais distante e incerto para jovens famílias. O problema é aprofundado pelos custos de construção e financiamento residenciais nos Estados Unidos, que crescem em rítmo acelerado – o dobro dos índices médios de aumento dos salários. Segundo a Associação Nacional dos Construtores de Imóveis Residenciais (NAHB), no final de 2018 apenas 56% das famílias americanas conseguiriam adquirir o imóvel próprio, índice que em 2012 era de 78%.


Com as finanças apertadas, Millenials estão demorando mais para deixar a casa dos pais e ainda mais para se casar e ter filhos. Historicamente nos EUA, a chegada de filhos apressa a decisão de adquirir um imóvel. Millenials também estão priorizando a flexibilidade e o crescimento profissional. Querem liberdade para buscar novos desafios e oportunidades em outra cidade ou país, o que torna o imóvel próprio uma âncora indesejada e de baixa liquidez nessa fase da vida.


Esse conjunto de realidades está causando uma espécie de êxodo de grandes cidades onde os imóveis, para compra ou aluguel, estão fora do alcance da maioria. O último Censo dos EUA, realizado em 2018, mostra que Nova York está perdendo 277 moradores por dia, contra 132 no ano anterior. Em segundo e terceiro lugares aparecem Los Angeles e Chicago, perdendo diariamente 201 e 161 moradores respectivamente. São cidades reconhecidamente caras para comprar ou alugar um imóvel.

Endividada, a classe média trabalhadora nos EUA troca a casa própria pelo aluguel

O Censo de 2018 também mostra para onde os americanos estão se mudando: cidades onde os custos são mais acessíveis, com crescimento econômico e geração de empregos. A primeira nesse ranking é Dallas, no Texas, que está recebendo em media 212 novos moradores por dia. Não por acaso, a cidade e o estado estão entre as economias mais fortes. O Texas, se fosse um país, estaria entre os 10 maiores PIBs do mundo, com mais de US$ 1,64 trilhão.


Esse quadro cria uma oportunidade dentro da economia real: atender a milhões de famílias que, cada vez mais, terão que optar pelo imóvel alugado. A fórmula que surge com força é a reforma de conjuntos habitacionais bem localizados e construídos nas décadas de 1970 e 1980, exclusivamente para aluguel para a classe media trabalhadora. São as chamadas propriedades multifamiliares para a força de trabalho, ou ‘workforce multifamily housing’, tradicionais nos EUA. Propriedades assim não são mais construídas devido aos custos proibitivos e a ausência de áreas urbanas amplas em boas localizações.


Com a demanda em alta, a compra e reforma de conjuntos multifamiliares existentes, em geral construções de até quatro andares com 200 a 500 unidades, virou opção atraente para investidores no ramo imobiliário nos EUA. Investir em cotas de fundos com essas propriedades, além de ampliar a oferta de imóveis mais acessíveis para aluguel, gera renda para o investidor desde o primeiro instante, que passa a contar com uma estrutura profissional de gestão. Investir nos multifamiliares é uma alternativa mais vantajosa do que a simples compra de imóveis, sujeitos a desvalorização, gerenciamento não profissional e possíveis perdas no momento da venda.


Esse quadro é o que está levando a uma revisão do velho Sonho Americano, que aos poucos deixa de ter a compra da casa própria entre seus focos principais para priorizar ganhos na qualidade de vida. Afinal, um terço dos adultos nos EUA já está fora do que se considera padrão: dedicar no máximo 30% da renda familiar à habitação.

Preservar o Sonho Americano passa a ser menos sobre a compra da casa propria e cada vez mais sobre a tomada de decisões que garantam estabilidade financeira no longo prazo. O acesso à moradia passa a ser considerado parte da boa gestão das finanças familiares, em que o título de propriedade perde importâcia, tanto para quem busca moradia acessivel quanto para quem investe e ajuda a garantir a oferta de imóveis que atendam a essa nova realidade.


* Carlos Vaz, empresario brasileiro radicado nos Estados Unidos, é co-fundador e CEO da CONTI Real Estate Investments, empresa com sede em Dallas, no Texas, especializada em investimentos em conjuntos habitacionais multifamiliares e listada no índice INC5000 das empresas privadas que mais crescem nos EUA.


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