Tudo leva a crer que falaremos mais com Alexas,
Siris e Watsons do que com seres humanos
ALEXIS THULLER PAGLIARINI*
Publicado originalmente em 19/6/2018 no PROPMARK
Estava eu preparando minha agenda para acompanhar o conteúdo do Cannes Lions – ô tarefa difícil! – e analisando detidamente a programação, me deparei com uma realidade inquestionável: quem tem fobia às inovações tecnológicas está fora do jogo do marketing e da comunicação atual.
Parece meio óbvio, mas há pouco tempo a gente se deparava com puristas levantando a voz contra esse tsunami do martech (marketing + tecnologia), a valorização excessiva dos dados e a panaceia tecnológica que vem transformando nosso mercado.
Lembro-me bem do lendário John Hegarty vociferando “Fuck Mathematics! Fuck Programmatic!”, frente a tanta discussão em torno dessa avalanche de dados e de tecnologia que tomou conta do Cannes Lions uns três anos atrás.
Hegarthy e outros criativos fantásticos de outra geração resistiam a essa matemática ultravalorizada nas campanhas de marketing. Cadê a criação?! Esse era o grito de protesto!
Para esses puristas, a eficácia da comunicação ainda está diretamente ligada a uma pegada criativa e original pelas marcas. E acho que você, por mais jovem e tecnológico que seja, vai concordar que de nada adiantará os mais assertivos algoritmos ou cruzamentos de dados se não soubermos impactar o público-alvo com mensagens criativas e persuasivas. O tempo passou e os protestos contra o excesso de uso de tecnologia, matemática e traquitanas tecnológicas diminuíram.
A impressão que dá é que houve uma capitulação perante o inevitável poder das novas ferramentas. Basta ver a programação do Cannes Lions deste ano. Do alto dos seus 65 anos, o Cannes Lions respeita a tradição, mas recheia seus conteúdos com termos tecnológicos de toda espécie. É AI (Inteligência Artificial), VR (Realidade Virtual), AR (Realidade Aumentada), Blockchain, Iot, Data-driven creativity, Humans + Machines = co-creation, hologram...
O que impressiona é o tanto de conteúdo relacionado à Inteligência Artificial do Cannes Lions deste ano. Tudo leva a crer que falaremos mais com Alexas, Siris e Watsons do que com seres humanos num futuro breve. Outro fato assustador é o acesso crescente aos dados de pessoas e das suas jornadas. Não à toa a União Europeia gerou controles mais rigorosos para garantir privacidade às pessoas. Foi assim que nasceu a GDPR.
A General Data Privacy Regulation é um conjunto de regras criadas para regulamentar a maneira como empresas obtêm, guardam, gerenciam e processam dados pessoais de cidadãos dos 28 países da União Europeia. Temos visto também Mark Zukerberg se desdobrar para tentar explicar como pode evitar o uso inadequado de dados dos usuários do cada vez mais onipresente Facebook.
Como reflexo disso tudo, você, assim como eu, deve estar recebendo comunicados de gestores de plataformas de relacionamento anunciando novos procedimentos de controle de privacidade. E, assim como eu, talvez você não leia o documento integralmente e dê um Aceite nos novos termos, sem se preocupar com os cookies e com o rastro que deixamos ao usar a internet. Esses são os efeitos colaterais da invasão tecnológica nas nossas vidas.
Por um lado, teremos nossa vida facilitada por assistentes virtuais e objetos se comunicando para minimizar a necessidade de intervenção humana nas tarefas do dia a dia. Como se comunicar com seres cada vez mais envolvidos com a tecnologia e com um mundo virtual?
Como atrair a atenção de pessoas ligadas 24 x 7 em telas ao alcance da mão? Esse é o grande desafio. Essa nova era parece nos dizer todo o tempo: “Decifra-me ou te devoro”. E o que supostamente foi criado para facilitar nossa vida, acaba por gerar um grande estresse, principalmente pela dificuldade de absorver toda essa avalanche de novidades tecnológicas que nos assola diariamente.
Mas não temos opção. Precisamos ficar minimamente update desse emaranhado tecnológico. Repetindo o que ouvi em Cannes no ano passado: “Você não vai perder seu emprego para uma máquina, mas para outro ser humano que lidará melhor com as máquinas do que você”.
*ALEXIS THULLER PAGLIARINI é superintendente da Fenapro, Federação Nacional de Agências de Propaganda
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