Por Adhemar Altieri*
ARTIGO PUBLICADO ORIGINALMENTE EM 12/08/2022 NO SITE MONEY REPORT
O voto é a principal oportunidade que a democracia oferece para que a sociedade interfira diretamente e aprimore as estruturas que a governam, avaliando os eleitos no passado e eliminando os que não correspondem às expectativas ao escolher novamente, para o futuro. Descrever esse processo de aprendizado, comum em democracias organizadas, parece uma obviedade. Só que no Brasil, o óbvio vem sendo desafiado pela realidade.
Seja por omissão ou incentivo de boa parte de uma classe política mal formada e pouco interessada no bem comum, esse processo vem sendo deturpado por um comportamento irracional, que cada vez menos atende aos interesses da sociedade e do país. O aprendizado e a consequente evolução dão lugar a compromissos desinformados e sem lógica, com requintes de fanatismo. Perde-se o pragmatismo adiante das convicções ideológicas, o que deveria ser de interesse de todo cidadão na hora de escolher seus representantes.
No lugar do raciocínio para o aprimoramento aparecem defesas sem sentido de ideias demagógicas, discriminatórias, às vezes até ofensivas, em muitos casos comprovadamente fracassadas, promovidas com zelo similar ao de um culto por grupos de interesse barulhentos e raramente majoritários. A maioria silenciosa assiste, balançando a cabeça. O extremismo sem raciocínio, praticado com frequência por pessoas equipadas para se comportar com muito mais qualidade, produz embates caracterizados por grosserias e ofensas pessoais, que matam relacionamentos entre parentes e amigos e reduzem o diálogo a algo pior do que uma briga de arquibancada, quando não geram atos de violência explícita e até mortes
Na atual campanha, esse ambiente gira em torno de personalidades que, por tudo o que é de amplo conhecimento, jamais deveriam se sentir à vontade para pleitear qualquer cargo eletivo, muito menos a presidência do país. O eleitor que se alinha por convicção a um desses extremos é tradicionalmente minoritário e insuficiente para garantir a vitória a um dos candidatos que aparecem liderando as pesquisas. O que faz a diferença é o eleitor que não vota nesses candidatos por convicção e sim por motivos no mínimo dúbios, como evitar a vitória do outro ou, compreensível, por não enxergar uma opção que possa entregar algo positivo.
Foi esse anti-voto, que não aceitava a volta do petismo ao poder, que fez a diferença e garantiu a vitória de Jair Bolsonaro em 2018. Vale dizer, com ampla colaboração de diversos candidatos incapazes de abrir mão de suas ambições pessoais e se articular para garantir uma alternativa viável e fora dos extremos. Agora, ciente do que está sendo o governo Bolsonaro, o anti-voto está mais concentrado no outro extremo, com Lula sinalizando abertamente que permanecem na pauta de prioridades do petismo todos os vícios, comportamento dissimulado e atos retrógrados do passado, que muito contribuíram para mergulhar o país em uma crise que, de várias formas, persiste até hoje.
Sentindo que corre na frente, e ajudado por atos, ameaças e declarações estapafúrdias e praticamente diárias do atual presidente, Lula não sente qualquer necessidade de assumir alguma responsabilidade pelo passado, ou expor os compromissos que um candidato à presidência tem a obrigação de detalhar. Já declarou que as intenções só serão conhecidas depois da eleição, partindo do pressuposto que ele estará novamente na presidência. Mais um péssimo hábito da política brasileira deve se confirmar em 2022: quem está na frente não acha que deve satisfações em debates ou entrevistas que não sejam para interlocutores ‘amigos’.
Na outra ponta, a ausência de qualquer projeto para o país, agora ou em caso de reeleição, é visível no dia-a-dia do atual governo. Prevalecem ações pontuais e claramente eleitoreiras, sustentadas em espertezas para driblar as leis, com consequências altamente prejudiciais às contas públicas e ao futuro próximo. São ‘malandragens’ que acabam se sobrepondo a eventuais ações positivas deste ou daquele ministério, que ficam em segundo ou terceiro plano. Tudo com a conivência de um legislativo que, enquanto fatura alto às custas do contribuinte, aguarda para saber se mantém a gritante troca de favores com o Bolsonarismo ou volta a abraçar o Lulopetismo, como fez no passado não tão distante. Ideologias e convicções são o que menos interessa.
O sistema eleitoral brasileiro, repleto de falhas e imperfeições, é também responsável direto por boa parte do que presenciamos hoje e ao longo dos últimos anos. Não sofre alterações porque a própria classe política jamais aceita qualquer tentativa de melhora, preferindo se acomodar na disputa entre dois candidatos que, havendo algum pragmatismo, deveriam ser considerados inviáveis. Exemplificando essa resistência estão as inúmeras tentativas de introduzir o voto distrital, padrão em todos os níveis em qualquer democracia minimamente séria do mundo, sempre barradas no Brasil com argumentos pífios, que confiam no desconhecimento dos brasileiros sobre o que estão perdendo ao não substituir o atual sistema sem distritos. Limites para a inviável proliferação de partidos, igualmente, não tem chance de êxito pois vale mais a manutenção do atrasadíssimo caciquismo político, que garante o quinhão de fundos generosos às custas do contribuinte.
Próximo da reta final da campanha, surge mais um aspecto que confia na falta de raciocínio e no cansaço do eleitorado. É um esforço evidente para definir a eleição a favor de Lula ainda no primeiro turno, negando um dos objetivos de eleições majoritária em dois turnos. Esse sistema atende à realidade multipartidária, que é ruim, permitindo que pelo menos no primeiro turno o eleitor possa escolher quem realmente considera a melhor opção, sem votos úteis de qualquer tipo. Lula e o PT querem colocar isso de lado e evitar surpresas, pois sabem que ainda são alvos de muita rejeição e preferem evitar o anti-voto que certamente virá no segundo turno, seja qual for o oponente.
Permanecendo tudo como está, confirmando-se as pesquisas e falhando o esforço petista a favor de uma decisão favorável no primeiro turno, teremos um segundo turno que representa um verdadeiro castigo, que país algum merece. Eleitores irão às urnas para escolher entre candidatos que já mostraram mais que o suficiente para merecer a mais retumbante rejeição, sumariamente e por motivos práticos, racionais. Será a superação de 2018, até agora o auge da opção pelo ‘menos pior’.
O eleitorado ainda pode evitar esse pesadelo.
*Adhemar Altieri, diretor executivo da MediaLink Comunicação Corporativa, coordenou e ancorou diversas coberturas de eleições presidenciais no Brasil (Tancredo Neves, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva), nos Estados Unidos (George Bush, George W. Bush, Bill Clinton), e diversas eleições parlamentares no Canadá.
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