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O mito do país dividido


por Adhemar Altieri*


Vidas perdidas às centenas se acumulam todos os dias na maior crise de saúde de nossos tempos, mas no Brasil, em vez de um esforço concentrado para enfrentar e debelar a pandemia, somos brindados diariamente com demonstrações de pura ignorância. Atos e palavras de baixo calão, pessoas que não se conhecem se agredindo, conversas ásperas com o espírito armado, respostas agressivas na ponta da língua, violência explícita e gratuita nas ruas. Tudo devidamente registrado em imagens que viralizam.


Enquanto colecionamos óbitos e infectados, o que avança é uma absurda crise política em que a falta de educação vira rotina, a ineficiência impera e o descaso, aparentemente intencional, recebe aplausos de pessoas que parecem não compreender bem o que aprovam. Quase sempre, a explicação oferecida para estes tempos é que o país está dividido, polarizado politicamente. É um argumento fraco, conveniente apenas para os interessados na existência de uma suposta polarização.


Minorias ruidosas


O histórico eleitoral brasileiro desde a redemocratização em 1985 mostra exatamente o contrário. Os extremos só chegam ao poder quando a maioria moderada, não vendo real alternativa, opta pelo que parece menos distante de suas convicções, ou o menos pior. Espécie de voto útil que se torna inútil.


Não há divisão ao meio nem polarização envolvendo a maioria dos brasileiros, exceto entre as minorias que buscam ostensivamente o conflito, pois militam nos extremos. É assim em qualquer país minimamente organizado: os extremos raramente lideram a opinião pública, exceto em regimes autoritários, por imposição. Chegam ao poder quando a maioria moderada decide emprestar o seu apoio. Emprestar sim, pois ao contrário do que pensam os eleitos, ninguém é dono dos votos que recebe.


Incitação


Foi assim com o petismo, que no poder instituiu o ‘nós X eles’, pregava sobre uma suposta elite incomodada por pobres em aviões, incentivava e financiava invasões de propriedades privadas e quebradeira nas ruas para desmoralizar protestos pacíficos, iludia pobres com a ideia fraudulenta dos milhões emergindo da miséria e promovia assaltos em série aos cofres públicos. Enriqueceram ideólogos que não acreditam no que eles próprios dizem e investiram pesado em obras faraônicas para regimes amigos. Lula chegou à Presidência porque teve o voto da maioria moderada. Sem isso, não se elegeria.


Repetiu-se a dose com o outro extremo em 2018, quando um número excessivo de candidatos sem ao menos uma aparência, um cacoete de real líder capaz de aspirar à Presidência, arrastou-se até o final da campanha assistindo, sorrindo, ao desastre que se desenhava. Supostas lideranças, exemplos prontos do que surge da escuridão individualista que é nossa mal formada classe política, foram incapazes de se organizar minimamente no primeiro turno, desistindo ao ver que não tinham qualquer condição de disputa, para centrar forças em um nome viável e evitar os extremos. Foram, teimosamente, até o fim.


Cruz x caldeira


Assim, ficamos entre um candidato com histórico que varia da ignorância ao ofensivo, que não o habilita para administrar um aspirador de pó, quanto mais a Presidência da República, e do outro lado um ‘poste’ assumidamente a serviço de uma campanha para vitimizar o ex-presidente condenado e preso, de um partido que insistiu com a charada do candidato preso até o fim, valorizando mais a narrativa do que o resultado. Sabiam que ninguém, nem mesmo seus seguidores mais fanáticos, acreditava em qualquer possibilidade de Lula, de fato, disputar a eleição. Enquanto isso, Bolsonaro apostava no temor da maioria, que não queria o petismo de volta ao poder pelo voto, o que legitimaria a destruição que promoveram no poder.


Desdenharam e brincaram com o sistema e o eleitorado, os dois lados, agindo como legítimos extremistas fora de moda no resto do mundo: convicções ideológicas em primeiro lugar, junto com a certeza quase religiosa de que vão enganar as massas. Dessa forma, o petismo se esquiva e justifica até o arrombamento sistemático de todas as contas públicas. Sem assumir um tostão do que fez, continua apostando no esquecimento geral.


Em Brasília, o vencedor de 2018 segue desafiando qualquer lógica, colecionando decepções e recuos gritantes que vaporizam seus principais compromissos eleitorais e expondo uma ausência de respeito mínimo por qualquer tema – inclusive os mortos pelo Covid-19 que se acumulam pelo país. A competência e disposição para avançar no que é realmente importante, que no atual governo já era limitada, aos poucos vai sendo dizimada pelas mãos do próprio presidente. Agora, importa mais atrair o que há de pior no Congresso e formar um bloco que impeça o impeachment. Custe o que custar, literalmente. Exatamente como na ‘velha política’ tão criticada por Bolsonaro.


Irresponsáveis explícitos


O Brasil não pode continuar sendo surrado por uma classe política desqualificada e sem qualquer pudor para agir, explicitamente, apenas em benefício próprio. A maioria do eleitorado não está a favor dos obtusos que vão para as ruas surrar enfermeiras e jornalistas, nem deseja a volta dos dissimulados que acham que tudo o que fizeram será posto de lado e basta lançar outro poste, abençoado por Lula, para retomar o controle em 2022.


A prioridade da sociedade brasileira, desde já, precisa ser o inconformismo com novos dilemas eleitorais em que a decisão terá que ser tomada entre alternativas fora de sintonia com qualquer realidade, despreparadas e sem intenção de sair dos discursos fáceis e campanhas com excesso de retórica e sem reais compromissos. Sem a substância que permita ao eleitor aplicar algum raciocínio a sua decisão.


O desperdício sistemático de oportunidades para apontar o país no rumo certo, se já não é, deve se tornar urgentemente o principal fator de cobrança entre os brasileiros. Pessoas inteligentes e dispostas a contribuir não podem mais cair na ridícula vala comum das ofensas arremessadas a supostos nazistas e comunistas, principalmente nas redes sociais, por pessoas incapazes de explicar o significado dessas expressões.


O que estamos presenciando desde o fim do regime militar, em 1985, é um desastre gradual, mas de enormes proporções, que com raros períodos de evolução, deixa o mundo balançando a cabeça quando olha para nós. Pior, afugenta brasileiros para outros países em números que assustam pela forma como crescem ano a ano. É comum ouvir de pessoas da classe média em diante, o quanto gostariam de despachar os filhos para estudar em outro lugar, para ver se gostam e ficam por lá, onde quer que lá seja.


Voto valorizado


É uma demonstração revoltante da ausência de confiança no futuro de um país, que estamos todos cansados de saber que tem tudo para dar certo, como sempre ouvimos de nossos pais, avós e bisavós. A sociedade brasileira precisa atribuir muito mais valor a seu voto, vender caro qualquer compromisso com candidatos. Isso passa por escolhas bem mais criteriosas na hora de votar e pressão sem dó em qualquer pessoa que se proponha a nos representar em cargo eletivo de qualquer nível.


Está claro que apenas promover a renovação a cada eleição não é o suficiente, pois fazemos isso há muitos anos e os ‘novos’ eleitos são, em sua maioria, gente da mesma cepa que segue triturando o futuro do país em benefício próprio. O critério tem de ser exercido muito antes, ao eliminarmos de nossa lista de possibilidades pessoas que não conseguem apresentar qualificação mínima e objetivos claros e de interesse da sociedade, para que mereçam ocupar os cargos pretendidos.


Acima de tudo, é preciso ignorar e isolar os extremos, deixá-los falando sozinhos, jamais comprar brigas por conta do que diz um ou outro lado. Extremistas são sempre barulhentos, dão a impressão de que são muitos. Quase sempre defendem ideias que são fracassos, tentados e abandonados no passado em países minimamente organizados. Políticas que só são atraentes quando promovidas à base de mentiras ou enterradas goela abaixo da sociedade. A história mostra que, quase sempre, levam ao caos, atraem a truculencia e terminam no autoritarismo.


As idas e vindas das últimas décadas mostram que é preciso fugir dos extremos e cobrar alternativas que apresentem ideias e prioridades que realmente interessam, desconsiderando por completo a inútil dicotomia entre esquerda e direita. Não existe regime liberal capitalista no mundo que não adote ideias originárias da legítima esquerda, que nunca conhecemos no Brasil. E a maior potência emergente do planeta, comandada com mão de ferro por seu partido comunista, persegue princípios capitalistas em tudo menos nos direitos de seus cidadãos.


Nenhuma solução real e duradoura virá se o Brasil continuar sendo um pêndulo que viaja entre os fanáticos nas pontas do espectro politico, algo abandonado e sepultado em países que os brasileiros costumam admirar.


*Adhemar Altieri, jornalista, é diretor executivo da MediaLink Comunicação Corporativa, com passagens pela Rádio Eldorado, SBT e Rede Globo no Brasil, redes CBC e CTV no Canadá, CBS News nos Estados Unidos e o Serviço Mundial da BBC de Londres. Na comunicação corporativa, foi diretor da Amcham Brasil, Instituto de Hospitalidade, União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e Indústria Brasileira de Árvores (Ibá).

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